Um episódio no Hospital da Mulher, envolvendo a entrada do vereador João Felipe em área médica, gerou repercussão e levantou questionamentos sobre os limites da atuação fiscalizatória e os direitos de pacientes em ambientes sensíveis.
A recente ação do vereador João Felipe de Melo Lacerda dentro do Hospital da Mulher, em Barreiras, reacendeu um debate urgente sobre os limites legais e éticos do poder de fiscalização dos parlamentares municipais. Segundo a secretária de Saúde do Município, Larissa Gomes Barbosa, o vereador ingressou em área médica restrita, filmou pacientes e servidores sem autorização e, posteriormente, publicou parte desse material em suas redes sociais. Nossa redação verificou que diversos vídeos do episódio circulam amplamente na internet, expondo mulheres em situação de vulnerabilidade. Segundo a secretária, algumas delas estavam internadas após sofrerem abortos, acompanhadas por familiares no momento da gravação.
O que a lei permite e o que proíbe
A Constituição Federal, no artigo 31, estabelece que a fiscalização municipal é competência da Câmara de Vereadores como órgão colegiado, com o apoio técnico dos Tribunais de Contas. Isso significa que um vereador, individualmente, não possui poderes ilimitados para agir por conta própria em repartições públicas, especialmente em áreas de acesso restrito.
A Lei Orgânica de Barreiras reforça esse princípio, determinando que pedidos de informação sejam feitos por escrito e que fiscalizações sejam realizadas dentro dos procedimentos oficiais. O ingresso em áreas sensíveis, como setores hospitalares, depende de autorização da direção técnica e deve obedecer às normas sanitárias e éticas.
O que o vereador pode e o que não pode fazer
Pode | Não pode |
---|---|
Solicitar informações e documentos por escrito, com prazo legal para resposta. | Entrar sozinho em áreas restritas de hospitais sem autorização da direção técnica. |
Fiscalizar por meio de comissões formais da Câmara Municipal. | Gravar pacientes ou servidores sem consentimento, especialmente em momentos de vulnerabilidade. |
Participar de visitas autorizadas, respeitando protocolos e normas sanitárias. | Divulgar imagens obtidas em locais restritos sem autorização. |
Requerer a presença do Tribunal de Contas ou órgãos de controle em inspeções. | Usar a prerrogativa de fiscalização para autopromoção política ou exposição pública de indivíduos. |
De acordo com a secretária Larissa Gomes Barbosa, o vereador entrou na ala onde estavam internadas mulheres em tratamento após abortos. Ainda segundo a gestora, a entrada foi feita sem autorização e houve gravação de imagens das pacientes e servidores. Os vídeos, hoje amplamente compartilhados nas redes sociais, mostram o vereador dentro da unidade conversando e apontando situações, sem uso de paramentação especial.
A Câmara Municipal, em nota, defendeu a atuação do parlamentar como legítima, alegando que ele estava no exercício da função fiscalizadora prevista na Constituição e na Lei Orgânica. A nota também cita que visitas semelhantes já foram feitas por integrantes do Executivo sem uso de equipamentos de proteção.
Quando a fiscalização se torna abuso
O dever de fiscalização é um direito e uma obrigação do vereador, mas não é absoluto. Ele deve ser exercido sem violar outros direitos fundamentais e sem comprometer a dignidade das pessoas atendidas. No caso específico do Hospital da Mulher, a conduta não seguiu o procedimento legal exigido, pois foi realizada de forma isolada, sem respaldo institucional e em ambiente restrito, expondo pacientes em momento de fragilidade.
O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que leis que concedem acesso irrestrito e individual a vereadores são inconstitucionais. A jurisprudência é clara: o controle externo é função da Câmara como instituição, não de cada vereador agindo de forma independente.
Lembrança de casos na pandemia
O episódio traz à memória situações vividas durante a pandemia de Covid-19, quando parlamentares federais invadiram áreas restritas de hospitais, incluindo UTIs, para gravar pacientes em estado grave e questionar a gravidade da doença. À época, autoridades de saúde e juristas criticaram duramente essas ações por colocarem em risco protocolos sanitários e exporem pessoas em condição de fragilidade.
A reflexão necessária
Mais do que um embate político, este caso provoca uma reflexão humana. As pessoas que estão em áreas hospitalares restritas já chegam fragilizadas, abaladas física e emocionalmente. Muitas enfrentam dores, perdas e tratamentos delicados. Ao verem uma autoridade política entrar de forma inesperada, acompanhada de câmeras e gravando imagens, o impacto emocional pode ser ainda mais profundo. Não se trata apenas de um ato administrativo, mas de um momento íntimo e sensível da vida dessas pessoas. Expor publicamente esse cenário transforma um momento íntimo e doloroso em uma vitrine de indignação política. Para as pacientes e familiares, isso pode representar um trauma ainda maior.
A fiscalização é fundamental para a transparência pública, mas jamais pode atropelar direitos individuais ou transformar um ambiente de cuidado e tratamento em palco para disputas políticas ou promoção pessoal.
O que esperar
O Portal TV Web Barreiras solicitou posicionamentos ao Ministério da Saúde, ao Ministério Público da Bahia e ao Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia. Assim que as respostas forem recebidas, novas matérias serão publicadas para informar os leitores sobre o posicionamento de cada órgão e os próximos desdobramentos do caso.
Nota oficial do vereador João Felipe
Diante da repercussão gerada após minha visita ao Hospital da Mulher de Barreiras, venho, como vereador eleito pelo povo, esclarecer os fatos com a seriedade e o respeito que o tema exige.
Estive no Hospital da Mulher a convite de uma paciente internada, que me procurou denunciando as condições precárias da alimentação oferecida às mulheres em trabalho de parto. Meu papel como vereador é fiscalizar e dar voz a quem muitas vezes é ignorado pelo poder público. Foi isso que fiz: cumpri meu dever.
Em nenhum momento acessei áreas cirúrgicas, centro obstétrico ou espaços que exigissem paramentação específica. As imagens divulgadas mostram claramente que permaneci em áreas comuns, sem colocar em risco a integridade de pacientes ou profissionais de saúde.
Cumpre destacar que não filmei o rosto de nenhuma paciente, e todas as imagens feitas por mim mostram apenas meu relato. As gravações que circularam com exposição de rostos de mulheres foram feitas por servidores da própria unidade, o que constitui uma grave violação da intimidade das pacientes e isso sim precisa ser investigado.
A Prefeitura tenta inverter os papéis ao me acusar de invasão, quando, na verdade, o que presenciei foram refeições inadequadas, fraldas de péssima qualidade e ausência de condições mínimas para mulheres que acabaram de dar à luz.
A Constituição Federal, em seu artigo 31, e a Lei Orgânica do Município, garantem aos vereadores o direito de fiscalizar qualquer órgão público, a qualquer tempo, sem necessidade de autorização prévia. É justamente essa prerrogativa que a Prefeitura tenta agora restringir, num gesto autoritário e inconstitucional.
Não aceitarei intimidação. Meu mandato é uma trincheira em defesa da população. Continuarei fiscalizando, denunciando e cobrando respeito à dignidade de quem precisa do SUS para sobreviver.
Barreiras não precisa de maquiagem. Precisa de saúde pública de verdade.
João Felipe de Melo Lacerda
Vereador – Barreiras/BA
Nota de esclarecimento jurídico
A nota enviada pelo vereador João Felipe cita o artigo 31 da Constituição Federal e a Lei Orgânica do Município como base para sua atuação. No entanto, é importante esclarecer que o artigo mencionado trata da fiscalização das contas públicas por parte da Câmara de Vereadores como órgão colegiado, com auxílio dos Tribunais de Contas, não conferindo autorização individual para ingresso irrestrito em repartições públicas, especialmente em áreas hospitalares de acesso controlado.
Já a Lei Orgânica de Barreiras assegura o direito à fiscalização, mas esse direito deve respeitar normas superiores, como a Constituição Federal, no artigo 5º, inciso X, o Código de Ética Médica, as resoluções da Anvisa e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que protegem a intimidade e os dados sensíveis de pacientes.
Portanto, embora a prerrogativa de fiscalização exista, ela não é ilimitada e não se sobrepõe aos direitos fundamentais à privacidade, ao sigilo médico e às normas sanitárias em vigor.
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