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João Felipe usou artigo errado para justificar entrada em hospital, dizem especialistas

João Felipe citou artigo constitucional que não autoriza visitas individuais a unidades de saúde. Especialistas ouvidos pelo portal apontam que o parlamentar ampliou indevidamente suas prerrogativas, em um gesto que escorrega no populismo e desafia normas superiores

A nota publicada pelo vereador João Felipe, após a repercussão de sua presença no Hospital da Mulher de Barreiras, trouxe à tona não apenas uma tentativa de reposicionamento político, mas também um movimento juridicamente frágil, que reacende o debate sobre os reais limites da atuação parlamentar em ambientes sensíveis, como unidades de saúde.

No documento, o vereador afirma que foi convidado por uma paciente a visitar a unidade e que exerceu seu papel fiscalizador ao denunciar supostas falhas na alimentação fornecida às mulheres internadas. Para sustentar sua conduta, ele menciona o artigo 31 da Constituição Federal e dispositivos da Lei Orgânica do Município, afirmando que tem direito de fiscalizar a qualquer tempo. A análise técnica do caso, no entanto, mostra que essa interpretação não se sustenta diante da legislação vigente.

O artigo 31 da Constituição trata da fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial do município, exercida pela Câmara de Vereadores, em conjunto, com apoio dos Tribunais de Contas. Em nenhum trecho esse artigo confere a um parlamentar, individualmente, o direito de ingressar em repartições públicas sem limites, muito menos em ambientes hospitalares controlados por normas sanitárias e éticas específicas.

Um especialista ouvido pela reportagem, com atuação em Direito Público, explicou que há uma confusão entre prerrogativa de fiscalização e autorização para violar protocolos de segurança hospitalar. Segundo ele, esse tipo de interpretação amplia indevidamente o alcance do artigo 31 e ignora dispositivos superiores que garantem o direito à intimidade dos cidadãos e a proteção dos dados sensíveis de pacientes.

Além da Constituição, o caso envolve outras normas de peso. O artigo 5º, inciso X, da Carta Magna, assegura a inviolabilidade da vida privada. A Lei Geral de Proteção de Dados, o Código de Ética Médica e resoluções da Anvisa estabelecem parâmetros rigorosos para acesso a ambientes clínicos, exigindo consentimento formal e respeitando protocolos de biossegurança.

A Lei Orgânica de Barreiras reconhece o papel fiscalizador dos vereadores, mas isso não anula a hierarquia legal. O exercício da fiscalização deve obedecer aos limites estabelecidos pelas normas federais e constitucionais, principalmente quando envolve espaços sensíveis, como hospitais.

Na nota enviada ao portal, João Felipe declarou que permaneceu apenas em áreas comuns e que não filmou o rosto de pacientes. Também atribuiu a servidores da unidade a autoria de gravações que mostram mulheres internadas. No entanto, a nota não apresentou nenhum documento formal que comprove essa versão. Em suas redes sociais, o vereador publicou um vídeo que mostra profissionais com celulares no momento da entrada, mas não há confirmação oficial sobre a origem das imagens nem sobre sua divulgação.

Juristas consultados explicam que, mesmo sem acessar salas cirúrgicas, circular por alas de internação sem autorização da direção técnica e sem observar os cuidados exigidos pela legislação representa uma infração aos protocolos de saúde. A conduta pode resultar em responsabilização ética, administrativa ou até judicial, dependendo da apuração.

A manifestação do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia também reforça esse entendimento. Em nota oficial enviada diretamente à redação do portal, o Cremeb foi categórico ao afirmar que vereadores não têm competência legal para fiscalizar serviços de saúde nem podem acessar áreas restritas sem autorização da direção técnica e consentimento dos pacientes. O conselho ainda lembrou que o Judiciário já proibiu prática semelhante em outro estado, com multa diária prevista para o descumprimento da medida.

Politicamente, a postura do vereador segue uma linha que tem ganhado espaço: a de transformar a fiscalização em ferramenta de exposição pública. Ao adotar um discurso de confronto e apontar suposta perseguição por parte da Prefeitura, João Felipe tenta reforçar sua imagem de combatente, o que pode gerar efeito imediato entre eleitores críticos ao sistema de saúde. No entanto, o gesto o coloca em rota de colisão com a legislação vigente, além de desgastar institucionalmente o seu mandato.

A denúncia sobre a qualidade da alimentação e dos insumos destinados às pacientes é legítima e merece atenção. Mas a forma como foi conduzida desvia o foco do problema central e cria um desgaste desnecessário entre os Poderes, em um momento em que o equilíbrio entre fiscalização e responsabilidade deveria prevalecer.

A atividade parlamentar exige firmeza, mas também respeito às regras e aos direitos de quem é atendido pelo serviço público. Quando esses limites são ultrapassados, o efeito pode ser inverso: o fiscal passa a ser fiscalizado, e o discurso de defesa da população dá lugar à necessidade de explicação.

Da redação Tv Web Barreiras


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