Durante encontro nacional, Álvaro Furtado defende acolhimento, alternativas terapêuticas e combate ao estigma como caminhos para enfrentar a doença
A sífilis, infecção sexualmente transmissível que atravessa séculos da história da medicina, continua sendo um desafio no Brasil. Apesar de existir tratamento eficaz e gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o número de novos casos cresce em diferentes regiões e atinge populações diversas, incluindo homens que fazem sexo com homens, gestantes e seus parceiros.
O tema esteve no centro do 13º Encontro de Relações Humanas em HIV/Aids, realizado pelo Instituto Vida Nova, em São Paulo. Em mesa mediada pelo ativista Jaime Marcelo, o infectologista Álvaro Furtado, do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids (CRT-SP), defendeu que o enfrentamento da sífilis não depende apenas de acesso a medicamentos, mas sobretudo da forma como os profissionais de saúde se relacionam com seus pacientes.
Acolhimento como fator decisivo
Segundo o médico, o atendimento ainda é marcado por julgamentos e falhas na comunicação. “Quando alguém recebe um diagnóstico de sífilis, chega assustado e cheio de dúvidas. Em vez de acolhimento, muitas vezes encontra reprovação ou uma conversa fria. Isso afasta e compromete o tratamento”, explicou.
Para ele, a abordagem deve ser clara e respeitosa. Em vez de reforçar o medo com frases ameaçadoras, é preciso mostrar que a doença tem tratamento e pode ser curada. O especialista defende ainda que as opções terapêuticas sejam apresentadas ao paciente. “A penicilina é excelente, mas não é a única alternativa. A doxiciclina também é eficaz. Oferecer escolhas fortalece a adesão”, afirmou.
Informação que salva
Entre as falhas recorrentes, o médico citou a dificuldade de lidar com tabus. Um dos exemplos é a transmissão da sífilis pelo sexo oral, frequentemente omitida nas consultas. “Quando o profissional evita responder, deixa de oferecer informação essencial para a prevenção”, disse. Esse silêncio, segundo ele, resulta em reinfecções e insegurança, já que muitos pacientes relatam ter contraído a doença mais de uma vez.
Risco do abandono do tratamento
Outro alerta foi sobre a chamada cascata do cuidado, que envolve diagnóstico, tratamento e acompanhamento. A falta de acolhimento faz com que muitos pacientes abandonem o tratamento após a primeira dose. “Não é só pela dor da injeção. É porque não compreenderam a importância da continuidade e não se sentiram respeitados para voltar”, explicou. O abandono aumenta os riscos de complicações neurológicas e cardiovasculares.
Desafio da transmissão vertical
Um dos pontos mais graves é a sífilis congênita, transmitida de mãe para bebê durante a gestação. O Brasil tem metas de eliminação até 2030, mas enfrenta dificuldades. Para o infectologista, a falha está em não incluir os parceiros no tratamento. “Muitas vezes a gestante é cuidada, mas o companheiro não. Isso leva à reinfecção. O cuidado precisa envolver a rede de relações, não só o indivíduo”, destacou.
Estigma histórico e saúde pública
A sífilis carrega marcas de preconceito desde o século XVI, quando recebeu apelidos depreciativos como “praga dos franceses” e “doença das prostitutas”. Esse peso simbólico, segundo Furtado, ainda influencia a forma como a sociedade enxerga a infecção. “Romper com o estigma é fundamental. O paciente não precisa de julgamento, precisa de informação e acolhimento”, afirmou.
Caminhos inovadores
O especialista também destacou experiências internacionais, como notificações anônimas por aplicativos, que aumentaram a testagem de parceiros. Além disso, citou estudos sobre antibióticos pós-exposição (doxyPEP) e defendeu campanhas mais criativas de comunicação, próximas da linguagem de jovens e de populações vulneráveis. “Se queremos resultados, precisamos ocupar os espaços onde as pessoas estão, das redes sociais às barbearias”, completou.
Ao final, deixou um recado direto: “A sífilis revela as falhas do sistema de saúde e da nossa comunicação. Enfrentar a doença é, acima de tudo, falar de direitos, de equidade e de cuidado humano.”
Da redação Tv Web Barreiras
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